Mosqueiro Este é um post popular. Beto Postado Agosto 24, 2020 Mosqueiro Este é um post popular. Compartilhar Postado Agosto 24, 2020 (editado) Eu não tive alguém que me legasse o amor pela pesca. Meu pai, como homem que viveu boa parte de sua vida na zona rural da Europa, tinha o gosto pela natureza e pelas atividades praticadas nesse meio, dentre elas a pescaria, mas nada que se aproximasse a uma paixão. Meu pai sequer possuía um equipamento de pesca quando eu nasci. A minha verdadeira adoração pela pesca, que se estende a tudo que se relaciona com peixes e animais aquáticos, é inata, trata-se de uma inclinação do caráter, de uma vocação. De acordo com mamãe, um pouco antes de completar os dois anos, ao passar na frente de uma loja e ver uma estátua de um menino com um peixe na mão, eu fiquei enlouquecido e não queria sair de perto da imagem. Caso estivesse com pressa para chegar a algum lugar, precisava trocar de itinerário, pois se eu passasse na estátua o pit stop era certo. Manifestações como essa continuaram a acontecer, seja na barraquinha de peixinho de aquário na feira, na peixaria do mercado, ou ao encontrar algo nos livros, onde quer que existisse um peixe lá estava eu com toda a minha atenção direcionada. Por volta dos quatro ou cinco anos, eu fazia a minha mãe desenhar peixes em papel e recortá-los para que eu os pudesse pescar com linha de costura e anzol de alfinete. Até aquele momento eu nunca havia pescado de verdade, ainda que todo o meu lazer estivesse ligado à praia ou a rios, minha experiência se limitava a capturar peixes de papel, além uns pitus e uns peixinhos de vala usando um puçazinho de aquário no laguinho do clube. Um pouco mais velho aprendi a fazer os meus próprios anzóis de alfinete usando uma ferramenta que parecia uma alicate de bico, eles ficavam em formato de V. Comecei a fazer vários deles, que guardava em uma caixinha na porta da máquina de costura da minha mãe, mesmo local de onde eu os roubava. Certa vez, não sei por qual motivo, cismei que queria ir pescar. Era sábado, por volta das três e meia da tarde, dia de ir para casa da Avó. Todos os filhos de banho tomado, arrumados, penteados e eu resolvo que queria pescar. Ir para casa da avó era uma daquelas rotinas de família obrigatórias, que a criança já sabe de cabeça, mas estranhamente eu me pus a chorar, dizendo que queria ir pescar e consegui sensibilizar o meu pai. Quando papai disse sim, corri para o móvel da singer e peguei um rolo de linha de costura e a caixinha de anzóis de alfinete. Entramos todos no fusquinha e meu pai fez um tremendo desvio na rota de modo a passar no cais da praia de pitangueiras, na ilha do governador. Lá chegando, eu e meu pai fomos para o cais, eu estava na linha de mão e além da falta de coordenação motora de uma criança de 6 anos, ventava muito e eu não conseguia jogar meu anzolzinho de alfinete na água. Meu pai arrumou um galho e amarrou a linha na ponta e tudo se resolveu, agora eu tinha um conjunto composto por galho, um metro de linha de costura e anzol de alfinete amarrado com nó cego. Junto com o galho de pescar, meu pai trouxe a isca: duas baratas d'água. Ficou acertado entre nós que acabando as iscas, iríamos embora. Acredito que meu pai não acreditava na possibilidade de fisgar nada com aquele "equipamento" que eu estava usando, ele queria matar a minha vontade e voltar para o carro, onde o resto da família esperava o término da empreitada, escondidos do vento, do frio e do tempo nublado. Me posicionei na parte de concreto do ancoradouro, pois fiquei com medo dos espaços na parte de madeira. Meu pai iscou a primeira barata e eu baixei a linha bem debaixo do meu pé. Não fazia a menor idéia do que estava fazendo, mal deixava o anzol na água, ficava mexendo a toda hora, não existiria barata capaz de se fixar naquele anzol e, como não podia deixar de ser, a isca caiu. Meu pai iscou a segunda e última barata, desci ela no mesmo local da primeira e pude ver a barata saindo do anzol assim que tocou na água. Mantive o anzol na água bem paradinho, enquanto me distraía vendo a última barata afundar lentamente e sumir. Quando fui tirar o anzol da água para ir embora senti um peso e a linha começou cortar a água, continuei puxando e saquei um peixinho. Inacreditavelmente eu havia pescado uma corcoroca de uns dez centímetros pelo opérculo, sem isca! Saí correndo na direção da minha mãe, com o peixe pendurado, sacolejando na ponta da linha. Estranhamente o peixe não caiu do ganchinho sem farpa que só encaixou na parte alta do opérculo do peixe, mais próxima ao dorso, sem sequer furar. Assim, o que era para ser o fim de uma pescaria se tornou o começo de uma alegria ainda maior. Meu pai pegou um potinho encheu de água e colocou o meu peixinho lá dentro. Fiquei obervando por alguns minutos, mostrei orgulhosamente para a família e depois devolvi o bichinho para água derramando o conteúdo do pote próximo a rampa de acesso dos barcos. Esse foi o primeiro peixe que eu fisguei na vida, foi fruto de uma série de eventos improváveis, o primeiro deles foi eu fazer pirraça para pescar, coisa que nunca havia feito antes; o segundo foi meu pai aceitar minha pirraça e sair totalmente da sua rota para atender a um capricho de criança; o terceiro foi um peixe azarado passar perto do meu anzol quando eu ia retirá-lo da água (talvez atraído pela barata). Eu devia ter uns seis anos quando isso aconteceu e me lembro de tudo com uma nitidez impressionante, lembro da ordem em que as pessoas estavam dispostas na ocasião, lembro do formato do galho, da cor da linha, do formato do anzol, dos detalhes da briga, do peixe e de suas nadadeira peitorais balançando dentro do pote e lembro de ficar levemente chateado de ter que soltar o peixinho ao invés de levá-lo para casa. Tenho uma gratidão enorme por esse acontecimento e sempre agradeço ao meu pai por ter me proporcionado essa experiência que marcou definitivamente a minha vida. Também agradeço a imprudente corcoroca pela contribuição ímpar. Editado Agosto 24, 2020 por Beto 5 1 Citar Link para o comentário Compartilhar em outros sites More sharing options...
Moderador Carlos Mitidieri Postado Agosto 24, 2020 Moderador Compartilhar Postado Agosto 24, 2020 Salve Beto, Tu deverias escrever mais contando as tuas pescarias. [] 's 1 Citar Link para o comentário Compartilhar em outros sites More sharing options...
Patrono Samuel Antero Postado Agosto 24, 2020 Patrono Compartilhar Postado Agosto 24, 2020 Que bacana Beto, essa pequena cocoroca não sabe a transformação que fez na vida daquela pequena criança. 1 Citar Link para o comentário Compartilhar em outros sites More sharing options...
Administrador Fausto Postado Agosto 25, 2020 Administrador Compartilhar Postado Agosto 25, 2020 Excelente Beto! Li seu texto com grande satisfação e alegria, pois me veio a mente como tudo começou comigo. Um pouco de pirraça no meu caso também. 1 Citar Link para o comentário Compartilhar em outros sites More sharing options...
Mosqueiro Fred Mancen Postado Setembro 21, 2020 Mosqueiro Compartilhar Postado Setembro 21, 2020 (editado) Sensacional, Beto! Algumas coincidências interessantes: minha infância, adolescência e boa parte da vida adulta também foram na linda e saudosa Ilha do Governador; também fiz anzóis de alfinete quando criança, mas nunca fisguei nada além do meu próprio dedo com eles; por último e não menos importante, meu gosto pela pesca também foi iniciado com meu pai (e aqui reside uma diferença), um apaixonado por pescaria e que a contragosto de minha mãe comprou um apartamento no Jardim Guanabara, no início dos anos 70, na rua Uçá, bem perto da praia da Bica, da praia da Macumba e do Esporte Clube Jardim Guanabara e do Iate Clube. Tudo planejado...rsrsrs... Pesquei em praticamente todas praias da Ilha e na baía de Guanabara (de bote, barco e até prancha de windsurfe), de diferentes maneiras, mas nunca tive tanto prazer como as longínquas pescarias com meu pai nas praias de dentro da APA Municipal da praia da Macumba, que se estende até a praia do Iate Clube. Naquelas prainhas que a gente só chega com maré baixa passei alguns dos melhores momentos de minha vida, numa época em que pescadas, corvinas, robalos, salteiras, xereletes, badejinhos e outros tantos peixes abundavam na região. Se eu pudesse voltar no tempo, certamente seria nos anos 70 e início dos 80, nesses momentos inesquecíveis com meu pai. Adorei ler sua história, meu caro! Quando eu voltar a morar no Rio vamos marcar uma pescaria. Obs.: tenho quase certeza de que esse é um post antigo ao qual já respondi... com a atualização da plataforma do fórum deve ter vindo à tona com ares de novo. Porém, gosto tanto de ler histórias como essa (e de compartilhar as minhas também), que respondi. Quando a coisa é boa, nunca é demais ver de novo. Editado Setembro 21, 2020 por Fred Mancen 1 Citar Link para o comentário Compartilhar em outros sites More sharing options...
Mosqueiro RTaciro Postado Outubro 6, 2020 Mosqueiro Compartilhar Postado Outubro 6, 2020 linda lembrança e por mais que nossas histórias de pescador não tenham nada em comum com seu relato, tenho certeza de que todos que leram se sentiram um pouco crianças de novo e lembrando como foi seu primeiro peixe... parabéns pelo relato. Abraços 2 Citar Link para o comentário Compartilhar em outros sites More sharing options...
Mosqueiro Beto Postado Julho 21, 2022 Autor Mosqueiro Compartilhar Postado Julho 21, 2022 Em 21/09/2020 at 10:55, Fred Mancen disse: Sensacional, Beto! Algumas coincidências interessantes: minha infância, adolescência e boa parte da vida adulta também foram na linda e saudosa Ilha do Governador; também fiz anzóis de alfinete quando criança, mas nunca fisguei nada além do meu próprio dedo com eles; por último e não menos importante, meu gosto pela pesca também foi iniciado com meu pai (e aqui reside uma diferença), um apaixonado por pescaria e que a contragosto de minha mãe comprou um apartamento no Jardim Guanabara, no início dos anos 70, na rua Uçá, bem perto da praia da Bica, da praia da Macumba e do Esporte Clube Jardim Guanabara e do Iate Clube. Tudo planejado...rsrsrs... Pesquei em praticamente todas praias da Ilha e na baía de Guanabara (de bote, barco e até prancha de windsurfe), de diferentes maneiras, mas nunca tive tanto prazer como as longínquas pescarias com meu pai nas praias de dentro da APA Municipal da praia da Macumba, que se estende até a praia do Iate Clube. Naquelas prainhas que a gente só chega com maré baixa passei alguns dos melhores momentos de minha vida, numa época em que pescadas, corvinas, robalos, salteiras, xereletes, badejinhos e outros tantos peixes abundavam na região. Se eu pudesse voltar no tempo, certamente seria nos anos 70 e início dos 80, nesses momentos inesquecíveis com meu pai. Adorei ler sua história, meu caro! Quando eu voltar a morar no Rio vamos marcar uma pescaria. Obs.: tenho quase certeza de que esse é um post antigo ao qual já respondi... com a atualização da plataforma do fórum deve ter vindo à tona com ares de novo. Porém, gosto tanto de ler histórias como essa (e de compartilhar as minhas também), que respondi. Quando a coisa é boa, nunca é demais ver de novo. Passado quase um ano, venho responder a sua mensagem, caso você me responda, apareço por aqui em 2023 para a réplica . Ter vivido na Ilha em um tempo onde a pesca ainda era farta e a violência não era um problema tão grande deve ter sido uma maravilha. Rapaz eu sou fã e acho linda a Ilha do Governador, e devia ser ainda mais linda no tempo que você morou lá. Grande parte da beleza vem da geografia repleta de pequenas formas de relevo litorâneos que se sucedem, das suas ruas sinuosas e arborizadas; nunca era tedioso andar pela imensa orla que não acabava mais, praia após praia, de tal modo que eu costumava tomar um ônibus para uma praia qualquer e sair andando pela orla com meu equipamento ultra light, desbravando a profusão de pontos de pesca existentes; por lá, a cada dez metros topa-se com um pesqueiro em potencial, principalmente para quem gosta de equipamento leve e peixes pequenos, sempre existe uma pedrinha submersa, um pilar, um costão, um barco afundado, um cascalho promissor; onde se escondem pequenos predadores esperando por sua presa. A variedade de peixes era enorme, provavelmente por estar no fundo da Baía de Guanabara e próxima à enorme área de mangues de Guapi. Nas águas rasas, os peixes pequenos pareciam se sentir seguros e ficavam muito ativos e sem vergonha de atacar as iscas artificiais, inclusive espécies menos comuns eram enganadas, como o michole, o tira e vira, o mamarreis (que eram enormes), a corvina, o peixe voador (coió), a corcoroca, entre outros. A outra parte da beleza da Ilha estava na sua arquitetura, no clima quase caiçara que se encontrava em muitos de seus bairros, na maravilhosa sucessão, quase improvável, de realidades distintas e antagônicas, como a agitação do Cocotá (com ares de uma Madureira), que alguns metros a frente dava lugar à tranquilidade da Praia da Bandeira, com suas casas a beira mar, onde os únicos ruídos que se ouviam eram os produzidos pelo suave bater das ondas contra a mureta e, por vezes, alguma voz mais alta, que saltava da intimidade de um lar e ia cair no ouvido do transeunte. Ora se estava no meio do agito de um bairro comercial de subúrbio, ora, após uma curva qualquer, encontrava-se em lugares tão tranquilos e vazios de gente que levavam a crer que nem se estava na metrópole. Tudo isso era mágico. Só encontrei paralelo na Ilha de Paquetá, ambas possuíam a mesma capacidade de me deixar em paz. Por isso que você é uma cara tão gente boa, viver em um lugar bacana desses auxilia na consolidação de um caráter já inclinado para o bem. Grande Abraço Praia da Bandeira. 1 Citar Link para o comentário Compartilhar em outros sites More sharing options...
Mosqueiro Fred Mancen Postado Julho 21, 2022 Mosqueiro Compartilhar Postado Julho 21, 2022 Salve Beto! Sem problema... antes tarde do que nunca! Ah a Ilha... eu sai da Ilha mas a Ilha não sai de mim! hahahaha... Juventude melhor, não poderia ter tido. Minha única frustração pesqueira que trago desde aqueles tempos é em relação ao canto esquerdo da praia da Bica. Ali mesmo onde você está pensando: a estação rádio da Marinha, início da reserva onde emenda com o depósito de combustíveis da Marinha que vai até a Ribeira. Tinha um amigo cujo pai era motorista civil (ficava dedicado a servir os oficiais dali) e morava lá dentro, numa casa à beira mar, não mais do que 25 metros da água, bem na enseada que é literalmente o fim da praia da Bica, já dentro da reserva militar junto àqueles cascalhos da curva da primeira guarita. Fui umas duas vezes à casa dele e pude ver com meus olhos o que aquela pequena região tinha de peixes! Algo absolutamente impensável para a maioria, naquela pequena enseada encostavam xaréus, enxadas, pescadas, salteiras, xereletes e guaiviras. Esses iam e vinham de acordo com a maré e época do ano. Os residentes, esses eram figurinha fácil naqueles molhes de pedra: tainhas ao largo e robalos e mais robalos flecha junto às pedras... Este amigo tinha seus conchavos com os vigias dos turnos e eventualmente eles "não percebiam" que ele estava pescando no canto, ora de artificiais, ora de tarrafa, em troca de um pescado. Numa dessas tarrafadas, pude presenciar que foram precisos apenas dois lances pra pegar uns 3 robalos médios e duas tainhas enormes... Parecia um aquário. Ele ainda possuía uma foto de um robalo flecha que pegou (ainda lembro do ano: 1995) e pesou perto de 17kg na balança! Um monstro! Não sei hoje como aquela pequena região deve estar, mas era uma filial do paraíso, com sua beleza ímpar, uma variedade assustadora de peixes, um belo pôr do sol e uma paz que até hoje cala meu pensamento... Maravilhosos tempos! Um grande abraço, meu amigo! Nos falamos em 2023... kkkkkkk 1 Citar Link para o comentário Compartilhar em outros sites More sharing options...
Administrador Fausto Postado Julho 22, 2022 Administrador Compartilhar Postado Julho 22, 2022 Fui viver no Cocotá em 1980 e pouco depois vim a casar. Nessa época lembro das maravilhas do local e as boas pescarias que fiz, até mesmo antes de ir lá morar. Foi ótimo ler o texto de vocês, me fez lembrar bons momentos e causos. 1 Citar Link para o comentário Compartilhar em outros sites More sharing options...
Mosqueiro Nilson Miranda Postado Setembro 27, 2022 Mosqueiro Compartilhar Postado Setembro 27, 2022 Que relato legal, @Beto, eu tenho experiência bem parecida com a tua. Meu primeiro peixe foi uma corvinota ali naquele pier ao lado da peixaria na Ilha do Governador, realmente essa primeira experiência nunca é esquecida. 1 Citar Link para o comentário Compartilhar em outros sites More sharing options...
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